1 - 5 O modo de vida antigo de Paulo
1 Varões irmãos e pais, ouvi agora a minha defesa perante vós. 2 (E, quando ouviram falar-lhes em língua hebraica, maior silêncio guardaram.) E disse: 3 Quanto a mim, sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade aos pés de Gamaliel, instruído conforme a verdade da lei de nossos pais, zeloso para com Deus, como todos vós hoje sois. 4 Persegui este Caminho até à morte, prendendo e metendo em prisões, tanto homens como mulheres, 5 como também o sumo sacerdote me é testemunha, e todo o conselho dos anciãos; e, recebendo destes cartas para os irmãos, fui a Damasco, para trazer manietados para Jerusalém aqueles que ali estivessem, a fim de que fossem castigados.
Paulo se dirige a seus ouvintes como “irmãos e pais”. Dirigir-se a eles como “irmãos” expressa sua proximidade com eles, enquanto ele usa “pais” (do povo) para expressar seu respeito. Ele lhes pede que ouçam a sua defesa.
O povo já estava silencioso, mas ficou ainda mais silencioso quando o ouviram se dirigir a eles em seu próprio idioma. Ele se aproxima deles o máximo possível. A defesa de Paulo consiste no relato de sua conversão. Aqui ele conta sua história para a multidão judaica. No capítulo 26, ele contará a história de sua conversão pela segunda vez, diante do rei Agripa e sua comitiva, ou seja, uma plateia formada por pessoas de alto escalão. No capítulo 9, também tivemos a história diante de nós, pois o Espírito Santo inspirou Lucas a escrevê-la.
Em sua responsabilidade para com os judeus, ele quer mostrar a eles que é um judeu fiel e não um judeu apóstata. Ele também deixa claro que, se ele faz seguidores para o Messias em todos os lugares sem obrigá-los a cumprir a lei, ele não está fazendo isso por seus próprios motivos, mas porque recebeu um chamado do alto, do céu. Ele o recebeu do Senhor Jesus. A propósito, ele menciona o nome do Senhor Jesus apenas uma vez.
Ele repete para o povo o que também disse ao governador sobre sua origem. Ele é um homem judeu, um deles. Ele nasceu em Tarso, na Cilícia, onde hoje é a Turquia, onde havia uma grande comunidade judaica. Estêvão havia discutido com judeus da Cilícia em Jerusalém (Atos 6:9), mas esses homens não conseguiram resistir ao espírito e à sabedoria de Estêvão. Há também um judeu da Cilícia aqui, mas um judeu completamente diferente daquele que concordou com a morte de Estêvão na época. Ele explicará em breve como essa mudança ocorreu.
Primeiro, ele leva os ouvintes em uma jornada por sua vida e enfatiza o quanto ele e seus ouvintes têm em comum. Ele lhes conta que se mudou de Tarso para Jerusalém (“esta cidade”) a fim de ser educado aqui. Paulo cresceu em Tarso, em meio ao paganismo. Em Jerusalém, ele foi instruído na lei de seu pai, à qual também se submeteu completamente em todo o seu comportamento.
Ele se sentou aos pés do geralmente respeitado Gamaliel e recebeu instruções dele. De acordo com a tradição, Gamaliel tinha 500 discípulos, entre os quais Paulo se destacava em particular (Gal 1:13,14). Ele absorveu todas as tradições associadas à lei; elas o moldaram. Tudo o que aprendeu, ele colocou em prática com zelo inimitável, assim como eles ainda fazem. Quanto a si mesmo, ele fala no tempo passado, e quanto a eles, no tempo presente.
Seu antigo modo de vida corresponde totalmente às ideias deles. Ele os elogia por serem devotos de Deus. Na carta aos Romanos, ele diz que esse é um zelo sem entendimento (Rom 10:2). Ele explica como, em um zelo cego pela aplicação da lei paterna, ele foi à luta contra tudo o que deixava de lado o significado da lei. Por isso os cristãos tiveram que pagar.
Esse novo “caminho”, essa nova corrente ou seita ou direção no judaísmo, como o cristianismo ainda era visto nos primeiros dias, era, a seus olhos, uma enorme ameaça à religião dos pais. Qualquer um que escolhesse esse caminho merecia ser morto. Para esse fim, ele entregou os que pertenciam a esse caminho a grilhões e prisões, sem fazer qualquer distinção entre homens e mulheres.
Em sua paixão, ele chegou a viajar para Damasco para levar discípulos presos de lá para Jerusalém. Uma vez que os possuía, ele fazia tudo o que podia para garantir que eles nunca escapassem dele. Por isso, ele os prendeu e os levou presos para Jerusalém. Os testemunhos sobre a veracidade dessas ações poderiam ser obtidos do sumo sacerdote e de todo o conselho de anciãos. Eles sabem disso porque lhe forneceram cartas para que ele pudesse fazer seu “trabalho”.
6 - 10 Paulo encontra o Senhor glorificado
6 Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. 7 E caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? 8 E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu persegues. 9 E os que estavam comigo viram, em verdade, a luz, e se atemorizaram muito; mas não ouviram a voz daquele que falava comigo. 10 Então, disse eu: Senhor, que farei? E o Senhor disse-me: Levanta-te e vai a Damasco, e ali se te dirá tudo o que te é ordenado fazer.
Agora Paulo chega a um ponto importante em sua defesa. Seu zelo em perseguir os cristãos dá uma guinada radical aqui. Ele relata como essa mudança ocorreu. Quando ele estava a caminho de Damasco e estava quase chegando lá, um evento inesperado aconteceu de repente. Ele se lembra de que era por volta do meio-dia (não lemos isso no capítulo 9), quando o sol está em seu ponto mais alto no céu e brilha mais intensamente. Se uma luz que é ainda mais brilhante do que o sol se torna visível nesse momento, ela deve vir do céu (2Cor 4:5,6). É a luz que vem da presença de Deus, uma luz que ultrapassa a luz do sol, da criação. O resultado é que ele cai no chão. Paulo não se envergonha de mencionar esse fato.
Ele continua dizendo aos seus ouvintes que ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Perseguir os cristãos era perseguir Aquele que falava com ele do céu. Ele era tão uno com os Seus na Terra. Ele também se lembra de como respondeu a essa pergunta. Essas são as primeiras palavras de Saulo ao Senhor. Sua resposta consiste em uma pergunta ao Senhor: “Quem és, Senhor?” Essa é a pergunta com a qual todos os que chegam à fé devem começar. É a pergunta sobre a pessoa do Senhor Jesus. Trata-se de conhecê-Lo.
A resposta à sua pergunta deve tê-lo perturbado. Então parece que ele estava lidando com “Jesus, o Nazareno”. Ele o estava perseguindo! Portanto, ele não estava perseguindo cristãos mal orientados que – por qualquer meio – precisavam ser dissuadidos de suas ilusões, mas um Jesus verdadeiramente vivo. Portanto, Jesus, a quem ele perseguia, não estava mais na morte, mas glorificado no céu. Isso deve ter feito os judeus a quem ele estava falando pensarem duas vezes, porque eles ainda acreditavam nas mentiras que os soldados haviam espalhado depois de serem subornados pelos líderes religiosos (Mat 28:11-15).
O Senhor Jesus chama a si mesmo de “nazareno”, ou seja, veio de Nazaré. Era assim que os judeus O conheciam quando Ele estava na Terra, e era assim que O desprezavam. Mas, para o horror de Saulo, Ele parece ser o Cristo glorificado.
Os companheiros de viagem de Saulo eram testemunhas inegáveis do que estava acontecendo, mas a mensagem era destinada apenas a Paulo. Eles não ouviram “a voz”, mas ouviram o som de uma voz (Atos 9:7; cf. Joã 12:28,29). Eles ouviram que algo foi dito, mas não o que foi dito. É assim que muitos hoje em dia ouvem o som do evangelho sem captar a mensagem.
Saulo então se dirige ao Senhor pela segunda vez, novamente na forma de uma pergunta. A segunda pergunta que ele faz ao Senhor é: “Senhor, que farei?” Todo crente deve fazer essa pergunta como um princípio para toda a sua vida. Para obter uma resposta à pergunta “Quem és tu, Senhor?”, é necessário sentar-se aos pés do Senhor, alimentar-se Dele e conhecê-Lo (cf. Luc 10:39). Então, a segunda pergunta surge por si mesma, ou seja, o que podemos fazer pelo Senhor, como podemos servi-Lo. A vida cristã é um equilíbrio entre instrução e prática.
Para Paulo, isso significava que ele deveria ir a Damasco, onde o Senhor havia preparado um discípulo simples para lhe dar mais instruções. Ele não deveria voltar a Jerusalém para ser guiado pelos apóstolos de lá. Saulo não mais determinava sua própria vida, mas Deus determinava o que ele deveria fazer. O mesmo acontece conosco. A questão é que andemos nas boas obras que Deus preparou de antemão (Efé 2:10).
11 - 16 Paulo em Damasco com Ananias
11 E, como eu não via por causa do esplendor daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo e cheguei a Damasco. 12 E um certo Ananias, varão piedoso conforme a lei, que tinha bom testemunho de todos os judeus que ali moravam, 13 vindo ter comigo e apresentando-se, disse-me: Saulo, irmão, recobra a vista. E naquela mesma hora o vi. 14 E ele disse: O Deus de nossos pais de antemão te designou para que conheças a sua vontade, e vejas aquele Justo, e ouças a voz da sua boca. 15 Porque hás de ser sua testemunha para com todos os homens do que tens visto e ouvido. 16 E, agora, por que te deténs? Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor.
A glória da luz era tão grande que o cegou. Ele havia se convertido, mas ainda estava em trevas. Ele ainda precisava ouvir a palavra de salvação. Para isso, foi levado pela mão por aqueles que estavam com ele. Foi assim que ele chegou a Damasco. Essa foi uma chegada diferente daquela que ele havia imaginado. Ele também descreve essa cena sem se envergonhar dela. Ele, o grande perseguidor dos cristãos perde completamente o rumo, achando que tinha tudo sob controle ou que conseguiria. Ele teve de ser levado pela mão para chegar aonde queria ir, para encontrar alguém que queria capturar em Damasco.
O nome desse homem era Ananias, que significa “o Senhor é misericordioso”. Paulo o apresenta aos seus ouvintes como um homem temente a Deus, de acordo com a lei. E esse não foi um testemunho que ele deu por vontade própria, mas todos os judeus de Damasco o conheciam como tal. Todos eles lhe deram um bom testemunho. Isso foi para convencer seus ouvintes de que o que Ananias fez com ele estava completamente de acordo com a maneira de pensar deles. Paulo se refere repetidamente à conexão com o judaísmo, não apenas antes de sua conversão, mas também durante e depois dela.
Esse Ananias veio a Saulo e o apoiou. Foi o judeu Ananias que ficou ao lado de Paulo, como se quisesse lhe garantir seu apoio. Ananias enfatiza esse fato com as palavras: “Irmão Saulo”. Ele o reconhece como um irmão, como um membro da família. Ananias segue essas palavras com as palavras libertadoras: “Recobra a vista!” Saulo recuperou a visão e pôde ver Ananias. Ele olhou para ele. Isso também significa que ele deu a Ananias um lugar mais alto do que ele. Saulo havia visto o Senhor primeiro e agora via um irmão. Isso sempre vem junto. Não é possível ver o Senhor e não ter olhos para nossos irmãos e irmãs.
Paulo então relata a mensagem que Ananias tinha para ele em nome de Deus. Ananias chama Deus de “o Deus de nossos pais”. Com essa referência, ele se reconecta com seus ouvintes judeus em sua história. Mas ele também diz isso para deixar claro para os judeus que eles estão lidando com Deus e que a resistência a ele (Paulo) significava que eles estavam se opondo ao Deus em que diziam crer.
Paulo tinha visto “o Justo” na estrada para Damasco. Esse nome glorioso do Senhor Jesus descreve adequadamente toda a Sua revelação na Terra. Ele era o homem na Terra que era perfeitamente justo em todos os relacionamentos e dava a todos o que lhe era devido. Isso também se aplicava ao Seu relacionamento com Deus. Paulo O via como o justo no céu, porque o que Ele era na Terra, Ele também é no céu. Deus designou Paulo para ser uma testemunha desse Justo para todas as pessoas.
A expressão “todos os povos” implica que Paulo não seria uma testemunha apenas para os judeus, mas para todos os povos. Ele tinha um chamado para o mundo inteiro. No início do livro de Atos, os doze apóstolos sempre deram testemunho de um Senhor ressuscitado. Eles O tiveram em seu meio por quarenta dias como o Senhor ressuscitado e, assim, puderam dar testemunho Dele. Paulo testificaria de um Senhor glorificado, o homem glorificado à direita de Deus. Ele O tinha visto em glória (1Cor 9:1) e ouvido Sua voz vinda da glória. O testemunho de Paulo, portanto, tem um caráter único.
Depois dessas palavras, Ananias o incentiva a agir. Ele deveria se levantar e ser batizado. Interiormente, em seu coração, Saulo estava do lado do Senhor Jesus. Por fora, porém, ele ainda estava do lado do povo que O havia rejeitado. Ele ainda tinha de ser salvo da geração errada em um sentido externo (Atos 2:40,41). Ele não recebeu um novo nascimento por meio do batismo. Ele já havia nascido de novo. A lavagem dos pecados aqui, portanto, não tem nada a ver com sua salvação para o céu, mas com o testemunho externo associado ao batismo. O batismo não o leva para o céu, mas o acrescenta ao círculo de discípulos na terra. O batismo lava os pecados diante dos olhos dos homens, o sangue lava os pecados diante de Deus.
Por meio do batismo, há uma separação entre a vida anterior no judaísmo e o pertencimento ao cristianismo. Tudo relacionado ao batismo tem a ver apenas com o lado exterior da conversão. Somente Deus e Saulo sabem o que aconteceu no coração de Saulo com relação ao seu relacionamento com Deus. Para que isso se torne visível para os homens e para que o mundo exterior o veja, o batismo deve ocorrer. Ao fazer isso, ele se separa exteriormente do judaísmo. Enquanto estava sendo batizado, ele deveria invocar o nome do Senhor Jesus. Quem invoca o nome de Jesus testifica que Ele é aquele a quem se volta e a quem se submete.
17 - 21 O mandato missionário de Paulo
17 E aconteceu que, tornando eu para Jerusalém, quando orava no templo, fui arrebatado para fora de mim. 18 E vi aquele que me dizia: Dá-te pressa e sai apressadamente de Jerusalém, porque não receberão o teu testemunho acerca de mim. 19 E eu disse: Senhor, eles bem sabem que eu lançava na prisão e açoitava nas sinagogas os que criam em ti. 20 E, quando o sangue de Estêvão, tua testemunha, se derramava, também eu estava presente, e consentia na sua morte, e guardava as vestes dos que o matavam. 21 E disse-me: Vai, porque hei de enviar-te aos gentios de longe.
Depois de seu encontro com Ananias, Paulo retornou a Jerusalém. Lá – como ele descreve – ele vai ao templo como um judeu ainda fiel e agora convertido. Enquanto estava orando no templo, foi arrebatado (cf. Atos 10:10). O arrebatamento é um estado em que a consciência normal e a percepção das circunstâncias naturais desaparecem, e a alma se torna receptiva apenas ao que Deus mostra. Saulo está tão absorto em sua oração que se esquece de tudo o que é natural. Então o Senhor aparece a ele pela segunda vez. Não lemos nada sobre essa aparição no capítulo 9. Ele vê o Senhor Jesus pela segunda vez em Sua glória. Ele lhe aparece agora apenas para lhe dizer que deve deixar Jerusalém porque eles não aceitarão seu testemunho sobre Ele.
Paulo relata isso aqui a fim de deixar claro para seus ouvintes judeus que foi por ordem expressa do Senhor que ele deixou Jerusalém. Ele não menciona aqui que o Senhor também usou os irmãos para esse propósito, como podemos ler no capítulo 9 (Atos 9:30). Esses dois aspectos não estão em oposição um ao outro, mas mostram dois lados do motivo pelo qual ele saiu de Jerusalém.
Seus ouvintes judeus ainda estão em silêncio, mas a raiva deve ter continuado a se acumular em todos eles. Paulo ousa dizer que o Senhor disse que seu testemunho não seria aceito em Jerusalém, Jerusalém, que tem tanto orgulho de seu relacionamento com o Senhor. Como ele ousa insinuar que o povo de Jerusalém não daria ouvidos a Deus, enquanto os gentios dariam? Isso acaba levando à explosão emocional deles. Mas eles poderiam saber pelo profeta Isaías que a salvação de Deus também alcançaria as nações (Isa 49:6). Isso também foi confirmado nos dois mil anos de evangelização mundial.
Paulo continua dizendo que não estava imediatamente pronto para ir e que conversou com o Senhor sobre a missão que havia recebido, assim como Ananias e Pedro haviam feito (Atos 9:13; 10:14). Ele preferia muito mais ter ficado em Jerusalém. Como testemunha, ele se destacaria muito mais lá. Eles o conheciam lá como um zeloso perseguidor de cristãos. Não deveria ele ser capaz de dar testemunho de sua conversão ali, a fim de conquistá-los para o Senhor?
Como um argumento particularmente forte para convencer o Senhor, ele aponta para o seu consentimento com a morte de Estêvão. Ele havia ajudado cuidando das roupas daqueles que apedrejaram Estêvão. Paulo fala de Estêvão como “vossa testemunha”. Ele não acusa o povo de ter derramado o sangue de Estêvão. Ele justifica totalmente Estêvão sem acusar diretamente os judeus.
Em seguida, ele repete as palavras que o Senhor lhe disse e com as quais ele pôs fim às suas dúvidas. Foi-lhe dito: “Vai!” Ele deveria sair de Jerusalém. Também lhe é dito para onde o Senhor o enviaria, a saber, “para longe, entre as nações”.
22 - 23 A reação dos judeus
22 E ouviram-no até esta palavra e levantaram a voz, dizendo: Tira da terra um tal homem, porque não convém que viva! 23 E, clamando eles, e arrojando de si as vestes, e lançando pó para o ar,
Quando Paulo diz que foi enviado às nações, a raiva deles é desencadeada. Um judeu não queria ouvir nada sobre ser enviado às nações (cf. Deu 32:21). A razão pela qual eles se enfurecem nesse ponto é porque é exatamente esse ponto que ataca sua exclusividade. Eles haviam sugado com o leite materno que eram as únicas pessoas que estavam em contato com Deus. Somente eles eram o povo escolhido. Se havia bênçãos para outros povos, então somente por meio deles.
A ideia de que o Messias – e Paulo disse que acreditava nele – transformaria as nações em seu povo em vez de restaurar Israel à sua antiga glória era algo que eles não conseguiam digerir de forma alguma. Como se as nações estivessem no mesmo nível, até mesmo acima de Israel! Para eles, era incompatível que se pudesse fazer prosélitos que não pertencessem ao judaísmo. Tudo isso era completamente inaceitável.
Vemos que o testemunho de Paulo não produz outro resultado senão a revelação do ódio. A explosão de raiva se manifesta no fato de eles gritarem, jogarem de si as vestes e lançarem poeira no ar. Essa revelação de ódio confirma o que o Senhor já havia dito vinte anos antes e o que o Espírito Santo também havia testificado pouco antes. Mas a graça do Senhor também está presente para apoiar Paulo enquanto ele dá seu testemunho.
24 - 30 Apelo à cidadania romana
24 o tribuno mandou que o levassem para a fortaleza, dizendo que o examinassem com açoites, para saber por que causa assim clamavam contra ele. 25 E, quando o estavam atando com correias, disse Paulo ao centurião que ali estava: É-vos lícito açoitar um romano, sem ser condenado? 26 E, ouvindo isto, o centurião foi e anunciou ao tribuno, dizendo: Vê o que vais fazer, porque este homem é romano. 27 E, vindo o tribuno, disse-lhe: Dize-me, és tu romano? E ele disse: Sim. 28 E respondeu o tribuno: Eu com grande soma de dinheiro alcancei este direito de cidadão. Paulo disse: Mas eu sou-o de nascimento. 29 E logo dele se apartaram os que o haviam de examinar; e até o tribuno teve temor, quando soube que era romano, visto que o tinha ligado. 30 No dia seguinte, querendo saber ao certo a causa por que era acusado pelos judeus, soltou-o das prisões e mandou vir os principais dos sacerdotes e todo o seu conselho; e, trazendo Paulo, o apresentou diante deles.
O tribuno vê como as coisas estão piorando novamente e toma uma atitude. Para ele, é suficiente que as coisas estejam saindo do controle pela segunda vez por causa desse homem. Como Paulo fez seu discurso em hebraico, ele pode não ter entendido tudo. Isso deve tê-lo deixado bastante frustrado. Ele não sabe o que foi dito. Agora as intenções desconhecidas devem ser extraídas do homem. Quando for açoitado, ele dirá a verdade. Enquanto eles se preparam para isso, Paulo pede que lhe expliquem a base legal para o tratamento que ele terá de suportar, mesmo sendo cidadão romano. Paulo tinha o direito de fazer isso. Ele reconhecia que as autoridades eram designadas por Deus para a bênção dos que praticam o bem (Rom 13:3). Ele aponta isso para as autoridades aqui.
Pode ser, como já foi dito, que Paulo não esteja de acordo com seu elevado chamado aqui. Em certo sentido, ele entrou nessas dificuldades por sua própria iniciativa. Em Filipos, ele não invocou sua cidadania quando foi tratado injustamente (Atos 16:23). Ele o fez quando, pouco tempo depois, quiseram libertá-lo secretamente porque isso servia à causa de Cristo ali (Atos 16:37). Mas isso é sobre ele mesmo. Anteriormente, ele havia declarado que era judeu e agora declara que é romano. Nenhum dos dois era pecado, mas seria esse o poder do Espírito Santo e o testemunho a respeito de Cristo? No entanto, podemos perguntar, com igual justificativa, em que ponto o Senhor exige que os Seus se exponham a sofrimentos desnecessários. Em termos gerais, podemos dizer que, para todos aqueles que criticam o comportamento do apóstolo aqui, é mais fácil ser um mártir na teoria do que na prática.
Como Paulo invoca sua cidadania romana, os preparativos para a flagelação são cancelados. O centurião presume que Paulo está dizendo a verdade e informa seu superior. O tribuno quer ter certeza e pergunta a Paulo se ele é romano. Paulo confirma a pergunta de forma sucinta com: “Sim”. Ele não entra em detalhes sobre o que tudo isso significa. Ele só quer salientar que algo está acontecendo que contradiz a lei da qual Roma tanto se orgulha.
O tribuno olha para Paulo com desconfiança. Qualquer um pode afirmar que é romano. Ele mesmo comprou essa cidadania por muito dinheiro, porque a cidadania romana lhe dava muitas vantagens. Onde esse pequeno homem teria conseguido o dinheiro? Mas Paulo tinha automaticamente essa cidadania porque nasceu em Tarso.
O fato de Paulo ter invocado sua cidadania romana o livrou imediatamente da ameaça de açoitamento. No entanto, o tribuno ainda quer saber qual é a sua posição em relação a Paulo. Ele manda tirar os grilhões de Paulo e ordena que o sumo sacerdote e todo o sinédrio se reúnam. O tribuno não leva Paulo perante o sinédrio porque se trata de um julgamento, mas para descobrir o que de fato está em jogo aqui por meio do confronto entre as duas partes.
Isso mostra o poder dos romanos sobre o sistema religioso dos judeus. Isso também deixa claro o quão grande é a escravidão em relação às nações, nas quais o povo de Deus caiu por causa de seus pecados. Isso também mostra como o povo é cego e arrogante quando se irrita com o fato de que a salvação de Deus se estende às nações.