1 - 2 A glorificação do Filho
1 Jesus falou essas coisas e, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti, 2 assim como lhe deste poder sobre toda carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste.
Esse capítulo é incomparável em sua profundidade e abrangência. Ele respira perfeita santidade, devoção e amor. Temos a permissão de ouvir o Filho abrindo Seu coração ao Pai no momento em que está prestes a morrer e deixar os Seus para ir para o céu.
Como ouvimos o Filho falando com o Pai, não podemos falar de uma “oração do sumo sacerdote”, pois assim o ouviríamos falando com Deus como um homem. Se pudermos falar de uma oração, então é no sentido de que o Filho faz pedidos particulares ao Pai, não para implorar algo ao Pai.
Ouvimos o Filho pedindo ao Pai para glorificá-Lo, depois para cuidar de Seus discípulos quando Ele não estiver mais com eles e, finalmente, para dar aos discípulos um lugar com Ele na glória. Esses são pedidos que não são tanto desejos, mas o Filho compartilha com o Pai coisas que também vivem no coração do Pai. O Senhor sabe de tudo isso, mas também devemos saber que Ele intercede por nós junto ao Pai. Essa oração nos mostra que Ele é Aquele que intercede por nós.
Podemos dividir Sua oração, que forma uma unidade maravilhosa, em duas partes. Na primeira parte, versículos 1-8, o Senhor fala ao Pai em vista de Sua glorificação e de Seu relacionamento com os discípulos. A segunda parte, versículos 9-26, trata dos discípulos, que Ele claramente distingue do mundo. Além dessa divisão grosseira, também é possível fazer uma divisão mais refinada em sete pontos:
1. A primeira parte compreende os versos 1-5, nos quais o Senhor Jesus pede ao Pai que O glorifique como homem por causa da obra que Ele realizou.
2. Na segunda parte, versos 6-8, Ele fala ao Pai sobre o que os discípulos significam para Ele.
3. Os versos 9-12 formam a terceira parte. Aqui Ele pede ao Pai que mantenha Seus discípulos em unidade.
4. Na quarta parte, versos 13-19, Ele ordena Seus discípulos ao Pai com o objetivo de preservá-los no mundo.
5. Na quinta parte, versos 20-21, Ele expande Sua oração e pede ao Pai pela unidade de todos os crentes na Terra.
6. A sexta parte, versos 22-23, trata de uma unidade que ainda está no futuro e que se tornará visível em Sua revelação.
7. Finalmente, temos a sétima parte nos versos 24-26, onde nos é mostrado como estaremos com o Filho na casa do Pai.
Após essas observações introdutórias, passemos agora à oração. Serei o mais breve possível, pois o tratamento dessa oração nos dá a sensação de querer iluminar o sol com uma tocha. O mais importante ao ler este capítulo é que o Espírito Santo possa provocar os sentimentos certos em cada leitor. Espero que esse seja o meu caso e que eu possa transmitir algo disso nesta reflexão. Eu mesmo fui ajudado pela beleza que outros descobriram nessa oração. Espero que esta reflexão tenha o mesmo efeito sobre o leitor.
Quando o Senhor se volta para o Pai em Sua oração, Ele o faz levantando os olhos para o céu. Foi assim também que Ele ergueu os olhos no túmulo de Lázaro (Joã 11:41). Lá, Ele pediu ao Pai a ressurreição de Lázaro. Aqui, porém, Ele não pede a ressurreição, mas a sua glorificação. No entanto, o pedido de Sua glorificação não se refere a Ele mesmo. Ele imediatamente acrescenta que tem em mente a glorificação do Pai em Seu pedido.
Com esse pedido, o Senhor se coloca além da obra, como se já a tivesse realizado. Por isso Ele diz que é chegada a hora. Com isso, Ele quer dizer o momento em que retornará ao Pai. Quando Ele pede que o Pai O glorifique, isso significa que Ele está fazendo esse pedido como consequência de Sua obra realizada. E quando Ele pede para ser glorificado, Ele, por sua vez, quer glorificar o Pai. Isso significa que, quando Ele for glorificado no céu, continuará a glorificar o Pai. Ele glorificou o Pai na Terra e na cruz, e fará o mesmo no céu.
Ele glorificará o Pai em relação à autoridade sobre toda a carne que recebeu do Pai por causa de Sua obra. Ele sempre permanecerá fiel ao lugar que assumiu e não exercerá poder por vontade própria. Ele exercerá poder sobre toda a carne quando retornar para julgar Israel e o mundo. Atualmente, Ele usa esse poder para dar vida eterna a todos aqueles que o Pai Lhe deu. Agora que o Filho está no céu, Ele glorifica Seu Pai dando vida eterna àqueles que o Pai Lhe deu. Ele ainda glorifica o Pai todos os dias em cada pecador que vem à fé.
3 “E a vida eterna é esta”
3 E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste.
A vida eterna que todo pecador que vem a crer no Senhor Jesus recebe é uma nova vida que lhe é concedida interiormente. É um novo nascimento, uma nova natureza. É uma vida no crente, uma vida que é dada a ele (Joã 10:28; 1Joã 5:11). É uma vida que ele tem (Joã 3:16; Joã 5:24; Joã 6:47,54; 1Joã 5:13) porque o Filho é sua vida (1Joã 5:11; Col 3:3-4). Mas aqui o Senhor Jesus fala sobre a vida eterna em um sentido diferente. Ele não está falando aqui sobre a vida eterna no crente, mas sobre a vida eterna como uma esfera de vida na qual o crente entra. Ouvimos o Filho falar sobre a vida eterna como um ambiente, uma esfera de vida, uma vida na qual se vive.
Portanto, há uma diferença entre a vida que está em alguém e a vida na qual alguém vive. Assim, por um lado, falamos sobre a vida vegetal, a vida animal ou a vida humana. Com isso, queremos dizer que algo existe como planta ou animal ou que alguém existe como homem. Por outro lado, também falamos sobre a vida na cidade, no campo e uma vida de trabalho. Com isso, queremos dizer o estado de vida, um modo de vida, um ambiente no qual alguém vive. O mesmo acontece com a vida eterna. Ela é tanto um princípio de vida dentro de nós (uma vida pela qual vivemos) quanto um modo de vida no qual entramos (uma vida na qual vivemos). É a esse segundo princípio que o Senhor Jesus está se referindo aqui quando diz: “Mas a vida eterna é esta...”
A vida eterna é o conhecimento Daquele a quem o Filho se refere como Pai (verso 1) e o conhecimento do Filho que o Pai enviou. Ele é o único Deus verdadeiro. Ele também era conhecido dessa forma no Antigo Testamento. Mas o que é novo agora – e isso também é vida eterna – é conhecer esse único Deus verdadeiro por meio de um relacionamento vivo com Ele como Pai pessoal e Jesus Cristo como enviado por Ele, por meio do qual o Pai pode ser conhecido.
O Filho fala de Si mesmo como “Jesus Cristo”. “Jesus” é o nome de Sua humilhação, “Cristo” é o nome pelo qual Deus O escolheu e O glorificou. Isso vai muito além de apenas conhecê-Lo como o Messias. Significa conhecê-Lo como o Pai O conhece, e isso a partir de um relacionamento pessoal com Ele. Portanto, o conhecimento da vida eterna diz respeito a um relacionamento vivo com pessoas divinas. Esse conhecimento leva à esfera da vida eterna, a esfera na qual a vida eterna é desfrutada.
Para resumir, talvez possamos dizer que a vida eterna é isto: comunhão com o Pai e o Filho, no sentido de que alguém desfruta da mesma parte que o Pai e o Filho, e isso junto com Eles.
4 - 5 O pedido de glorificação
4 Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer. 5 E, agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse.
O Senhor Jesus glorificou o Pai na Terra, neste pequeno planeta no imensurável universo, onde Ele foi e ainda é muito desonrado pelo pecado do homem e de seus descendentes. O Filho pode dizer em perfeita consciência que fez a vontade do Pai em tudo e, portanto, O glorificou. Uma pessoa comum jamais poderia dizer isso, porque o que uma pessoa faz nunca é perfeito. O Filho pode até dizer isso antecipadamente, porque Ele é o Filho eterno, embora tenha realizado a obra como homem. A obra de que Ele fala aqui é a obra completa da revelação do Pai.
Antes que pudéssemos entrar em uma conexão de vida com o Pai, o Pai primeiro teve que ser revelado. O clímax correspondente é a cruz, aqui não como uma saída para a nossa pecaminosidade, mas a cruz por meio da qual o coração do Pai é totalmente revelado aos Seus. Com base nessa obra maravilhosa, o Filho, como o homem ressuscitado, pede a glória que Ele possui eternamente como Deus. Ele pede uma glória que nunca perdeu. Ele se tornou homem, mas nunca deixou de ser Deus e, portanto, nunca se despojou de Sua glória.
Seu pedido, portanto, também significa receber essa glória de uma nova maneira, ou seja, como um homem. Como homem, Ele nunca possuiu essa glória, pois nem sempre foi homem. Ele se tornou homem e permanece assim por toda a eternidade. Agora Ele pede a mesma glória como homem que possui eternamente como Filho. Ele pede isso porque deseja compartilhar essa glória com nós, homens. Se Ele não tivesse se tornado homem, nunca poderia compartilhar Sua glória conosco, porque não podemos nos tornar Deus.
6 - 8 Dado ao Filho pelo Pai
6 Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra. 7 Agora, já têm conhecido que tudo quanto me deste provém de ti, 8 porque lhes dei as palavras que me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti, e creram que me enviaste.
O Senhor Jesus agora explica como os homens mortais puderam ser levados a um relacionamento tão próximo com o Pai. Primeiro, Ele menciona a revelação do nome do Pai. Essa revelação só pode ser dada aos homens que não pertencem mais ao mundo. O Pai os tirou do mundo e os entregou ao Filho. Como agora pertencem ao Filho, eles são claramente distinguidos do mundo.
O mundo se revelou completamente em seu ódio ao Pai e ao Filho. No maior contraste possível com isso, está a revelação do nome do Pai àqueles a quem o Pai ama imensamente. O Filho revelou o nome do Pai a eles para que possam reconhecer o Pai.
Essa revelação do nome do Pai ocorreu por meio de Sua vida, Suas palavras e Suas obras. Os homens que o Pai deu ao Filho pertenciam ao Pai. Isso aponta para o propósito eterno do Pai em dar essas pessoas ao Filho e para a eleição delas pelo Pai. Portanto, isso é completamente independente de qualquer relacionamento com Israel ou com Ele como Yahweh. Eles foram dados a Ele pelo Pai.
O fato de que eles pertenciam ao Pai e agora pertencem ao Filho é demonstrado pelo fato de que eles guardam a palavra do Pai. A palavra do Pai é tudo o que o Pai falou sobre o Filho. O Senhor Jesus considera os Seus como um tesouro precioso que o Pai Lhe deu. Ele passa por cima de toda a falta de entendimento que eles tinham e revelaram. Eles guardaram a palavra do Pai, que na verdade é o próprio Filho.
Entretanto, eles não guardaram apenas a palavra do Pai sobre o Filho. Eles também reconheceram que o Pai é a fonte de tudo o que foi dado ao Filho. O fato de o Pai ter dado tudo ao Filho não significa que o Pai não o tenha mais. O Senhor Jesus diz: “tu mos confiaste” [JFAA]. O Filho recebeu o que é do Pai e continua pertencendo ao Pai.
Ele ordena os Seus ao Pai e diz que eles não apenas guardaram a palavra do Pai sobre o Filho, mas que também receberam e aceitaram as palavras do Pai por meio do Filho. As palavras do Filho não eram outras que não as do Pai. Eles aceitaram as palavras do Filho e, assim, reconheceram verdadeiramente que o Filho veio do Pai e creram que o Pai O havia enviado.
Não importa quão pouco eles entendessem de tudo o que Ele disse sobre isso, aqui Ele olha para o coração deles. Eles aceitaram Suas palavras e, portanto, tudo o que foi expresso nessas palavras, mesmo que estivesse muito além da compreensão deles. Ao aceitarem Suas palavras, que são as palavras do Pai, eles também aceitaram o relacionamento que o Filho tem com o Pai.
Ele veio do Pai, e isso significa que Ele revelou o Pai como o Filho eterno. O Pai O enviou, e isso significa que, como um homem dependente, Ele fez tudo o que o Pai Lhe pediu para fazer.
9 - 12 O pedido de proteção e unidade
9 Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. 10 E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e nisso sou glorificado. 11 E eu já não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós. 12 Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse.
O Senhor Jesus diz aos discípulos mais uma vez que está orando por eles. Ele não tem mais nenhuma ligação com o mundo e nem com Israel. Não se trata mais da diferença entre judeus e gentios, mas da diferença entre Seus discípulos e o mundo.
Ele não ora pelo mundo. Ele não tem mais uma oração pelo mundo; o julgamento paira sobre o mundo. O tempo em que Ele pedirá pelo mundo a fim de reivindicá-lo como Sua posse legítima, como Sua herança, virá quando o Pai Lhe disser (Slm 2:8). Ele está preocupado aqui com os herdeiros, e não com a herança.
Até o momento em que pedirá a herança, Ele pede ao Pai por aqueles dos quais Ele ainda diz: “... porque são teus”. Como dito, eles ainda pertencem ao Pai, mesmo que Ele os tenha dado ao Filho. Eles ainda pertencem a Ele. Ao mesmo tempo, eles também pertencem ao Filho. Tudo o que pertence ao Filho pertence ao Pai, e vice-versa: tudo o que pertence ao Pai também pertence a Ele. Um homem também poderia dizer a primeira coisa a Deus, mas não a segunda. Somente o Filho pode dizer que tudo o que pertence ao Pai também pertence a Ele, porque Ele é um com o Pai. Os discípulos pertencem tanto ao Pai quanto ao Filho. Ao mesmo tempo, o que o Pai dá ao Filho serve para glorificar o Filho.
Ele fala com o Pai sem qualquer restrição ou limitação sobre o fato de que Ele é glorificado nos Seus. Aqui vemos novamente que o Filho vê os Seus no relacionamento perfeito que têm com Ele e não em sua fraca realização. Ele é glorificado neles porque creem nEle e O reconhecem pelo que Ele é, mesmo que ainda revelem, com muita frequência, que não entendem a profundidade de tudo isso.
Quando o Senhor Jesus diz que não está mais no mundo, isso significa que Ele se coloca além da cruz como já glorificado. Mas Ele sabe perfeitamente bem que os Seus ainda estão no mundo e que o mundo é muito hostil a eles. Por isso Ele ora ao Pai por eles em sua situação indefesa e pede que Ele os proteja em Seu nome, o nome do Pai.
Ele se dirige ao Pai como “Pai santo”. Ao fazer isso, Ele enfatiza a completa separação entre o Pai e o mundo. O Pai é completamente separado do mundo, Ele não tem nenhuma conexão com o mundo. Nada se apega a Ele a partir do mundo ou poderia exercer a menor influência sobre Ele. Por isso o Senhor Jesus também pede ao Pai, alguns versos depois, que santifique os discípulos. Aqui Ele pede por eles como aqueles que o próprio Pai Lhe deu. Ele lembra o Pai, por assim dizer, da grande dádiva como um motivo especial para preservá-los, ou seja, para protegê-los das influências do mundo.
Ele pede que eles sejam preservados, não que o Pai intervenha com Seu poder e destrua os inimigos. Esse tempo ainda está por vir para os Seus do povo de Israel. Essa preservação não se refere apenas à segurança deles diante de um mundo maligno. Com esse pedido de preservação, ele também está pensando na unidade entre eles.
Essa unidade é realizada por meio do dom do Espírito Santo – um fruto de sua obra de redenção. Essa unidade diz respeito aos doze apóstolos em seu testemunho sobre o Filho. É importante que, apesar de suas diferenças, eles prestem um testemunho unânime do Filho. Nem uma única diferença de opinião pode destruir esse testemunho. Vemos que a unidade de seu testemunho foi concretizada quando lemos sobre seu ministério nos Atos dos Apóstolos e nas cartas.
O Senhor Jesus pede que Seu Pai os guarde, porque Ele mesmo não estaria mais com eles e não poderia mais guardá-los dessa forma em nome do Pai. Nos três anos e meio em que os Seus andaram com Ele, Ele cuidou deles com infalível fidelidade. Nesse cuidado, Ele sempre se concentrou no nome do Pai. Ele também teve isso em mente quando não estava mais com eles.
Sua proteção não era para Judas porque ele havia fechado o coração para a obra do Espírito de Deus. Ele não era um filho de Deus, mas o filho da perdição. Ele amava o dinheiro e, assim, abriu-se para Satanás. O fato de Judas ter acabado assim não foi por falta de cuidado do Senhor. Ele não escapou de Suas mãos. As Escrituras previram um comportamento tão corrupto. Não foi o nome de Judas que foi predito, mas o destino de uma pessoa que agiria dessa forma.
13 - 16 Os discípulos no mundo
13 Mas, agora, vou para ti e digo isto no mundo, para que tenham a minha alegria completa em si mesmos. 14 Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. 15 Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. 16 Não são do mundo, como eu do mundo não sou.
O Filho agora fala ao Pai especialmente sobre os discípulos em seu relacionamento com o mundo. Ele se aproxima do Pai e se dirige a Ele para falar-Lhe sobre os Seus e para confiar os discípulos aos Seus cuidados posteriores. Ele faz isso no mundo, no qual ainda está presente, para que eles possam ouvir. Eles também estão no mundo e permanecerão lá quando Ele se for deles para o Pai. Eles não são mais do mundo, não pertencem mais ao mundo, mas ainda precisam passar por ele.
Agora eles ouvem o Filho falando de Si mesmo. Ele sabe exatamente a situação em que eles se encontram. Como deve ter alegrado o coração deles ouvi-Lo falar ao Pai sobre eles dessa maneira. Essa consciência do cuidado e do amor do Pai sempre encheu o Senhor Jesus de alegria durante Sua vida na Terra. Ele sempre encontrou sua alegria em suas relações com o Pai.
Por meio de Sua oração, os discípulos podem saber que eles também podem sempre ter contato com o Pai e que Ele sempre lhes dá total atenção e deseja ter contato com eles. O Filho estava aqui em nome do Pai e encontrou alegria em servir aos interesses do Pai. Portanto, de agora em diante, eles estarão aqui em Seu nome. Eles servirão ao Pai apresentando o Filho e, assim, terão a mesma alegria em si mesmos.
Para que possam fazer isso, o Filho lhes deu a Palavra do Pai. A Palavra aqui é novamente a revelação completa do Pai que Ele trouxe. O Senhor não diz palavras (grego rhemata, ou seja, declaração), mas palavra (grego logos, ou seja, a expressão de Seus pensamentos). Ele também pede que o Pai os preserve porque eles tomarão Seu lugar no mundo atual. Ele se torna um com eles na presença do Pai, e isso é uma grande bênção. Mas Ele também se une a eles na presença do mundo, e isso também é uma grande bênção. Em ambos os casos, o lugar é Dele. Onde Ele está, ali estão os Seus, e onde estão os Seus, ali está Ele.
O Senhor Jesus diz que eles não são do mundo. Com isso, Ele não quer dizer que eles não deveriam ser do mundo. Ele quer dizer que eles basicamente não pertencem ao mundo porque estão unidos a Ele. Entretanto, a consequência deve ser que eles se comportem da mesma maneira. Seria muito ruim se eles – e nós também – dessem a impressão de que ainda pertencem ao mundo. Isso significaria a negação do verdadeiro relacionamento com o Pai.
O Senhor não pede ao Pai que os tire do mundo. Os Seus serão tirados no arrebatamento dos crentes (1Tes 4:16-17). Então, Ele os arrebatará para fora do mundo. Até esse momento, eles devem permanecer no mundo, onde reinam as trevas, o ódio e a morte. Em vista disso, Ele pede ao Pai que os proteja.
Não se trata de eles terem de se preservar saindo do mundo e se retirando atrás das grossas paredes do monastério. O monasticismo e o sistema monástico contradizem o que o Senhor Jesus diz aqui. A separação do mundo desejada por Deus não é alcançada pelo isolamento. O mal está dentro de nós mesmos. O Filho pede ao Pai que o maligno por trás do sistema maligno do mundo não tenha nenhuma influência sobre eles (cf. Mat 6:13).
Ele repete explicitamente a união deles com Ele em sua separação do mundo (verso 14). Essa repetição é necessária porque rapidamente nos esquecemos de que estamos separados do mundo. Somente então, se nossos olhos permanecerem fixos em Cristo, também teremos nossa separação do mundo constantemente em vista. O próprio Cristo é o exemplo perfeito de separação do mundo. Ele veio ao mundo, mas nem por um momento pertenceu a ele. Sua posição e atitude em relação ao mundo são decisivas para a atitude dos discípulos e também para a nossa.
17 - 19 Santificação
17 Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. 18 Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. 19 E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade.
Em seguida, o Filho pede ao Pai que os santifique. Por meio da santificação, somos colocados em conformidade com o santo Pai. Santificar significa ser separado para Ele. Eles são colocados em contato com a verdade da Palavra do Pai, e essa Palavra chegou a eles por meio do Filho. Eles reconheceram e aceitaram a Palavra. Como resultado, eles entraram em outro mundo, o mundo do Pai e do Filho. O Filho deu a Palavra do Pai, que nos apresenta seu amor, seus pensamentos, seus conselhos e sua glória. Por estarmos nele, somos verdadeiramente separados (santificados). Esse é o efeito da verdade.
Aqui, também, ela vai muito mais longe do que a lei, que também separava, mas apenas nacionalmente. Isso só se aplicava a Israel em relação às nações que o cercavam. O fato de estarmos separados do mundo não significa que não temos nada a ver com o mundo. Não estamos no mundo porque estamos lá por acaso, mas estamos no mundo com um propósito. Somos enviados ao mundo assim como o Pai enviou o Filho ao mundo. Isso significa que temos uma mensagem para este mundo, assim como Ele tinha. A santificação não nos leva ao isolamento, mas a sermos úteis para levar a verdade a um mundo que vive em uma mentira.
Nossa santificação não se dá apenas por meio da palavra do Pai, mas também por meio da santificação do Filho em nosso favor. Essa santificação consiste em Ele literalmente sair do mundo para ocupar um lugar santificado com o Pai. Ele está lá para nós e é nosso modelo de santidade. Seu lugar com o Pai é o nosso lugar. Há poder santificador na verdade (verso 17) e há poder santificador no fato de olharmos para Cristo em glória.
Portanto, há duas verdades gloriosas que santificam o crente no tempo presente. A primeira verdade é a revelação do Pai em Sua Palavra, que veio a nós no Filho e por meio Dele. A segunda verdade é o conhecimento da glória do Filho como o homem ressuscitado e glorificado no céu. Quando tivermos essas duas verdades diante de nossos olhos por meio do Espírito Santo, levaremos uma vida santificada.
20 - 21 A unidade de todos os crentes
20 Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim; 21 para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.
Aqui todos os crentes recebem um lugar na oração do Filho. Ele fala ao Pai sobre aqueles que creriam Nele por meio da “palavra deles”, ou seja, a palavra dos apóstolos. Mesmo que nunca tenhamos ouvido os apóstolos pregarem literalmente, ainda assim acreditamos no Senhor Jesus por meio do que eles nos deixaram na Palavra de Deus. O Senhor Jesus pede ao Pai por nós para que sejamos um, da mesma forma que o Pai e o Filho são um. Isso tem a ver com a unidade de vida, a posse da natureza divina. Portanto, não se trata de uma unidade caracterizada pelo fato de que os membros estão todos incluídos em um único e mesmo sistema. Nem mesmo se trata diretamente da unidade do corpo de Cristo, embora essa unidade também se baseie em uma unidade de vida.
A unidade de que Cristo está falando aqui é uma unidade que é gerada pelo fato de que cada filho de Deus tem o Filho como sua vida. É a unidade da família de Deus. Não somos chamados a criar essa unidade, mas a perceber que todos os que receberam o Filho são um. A linha divisória que atravessa o mundo está entre aqueles que têm a vida do Filho e aqueles que não têm. Portanto, não se trata de uma linha divisória entre grupos de igrejas, mas exclusivamente entre crentes e descrentes.
A oração do Senhor Jesus por essa unidade foi respondida. Quando os crentes que nunca se viram antes se encontram e reconhecem a mesma vida uns nos outros, há um sentimento e uma experiência imediatos de unidade. É claro que os crentes também devem realizar a unidade prática com base nessa unidade. No que diz respeito a essa unidade, infelizmente não se vê muito dela entre os cristãos. É uma unidade por meio da qual a comunhão é experimentada, assim como o Pai e o Filho têm comunhão e a experimentam juntos.
A unidade é como a do Pai e do Filho, mas também é uma unidade no Pai e no Filho. Ela é modelada na unidade do Pai e do Filho e acontece em comunhão com o Pai e o Filho. Nossa unidade se baseia na unidade do Pai e do Filho. É a mesma comunhão de vida. Se a natureza divina caracterizasse todos os crentes, independentemente de sua nacionalidade ou origem, o mundo poderia acreditar que Ele é o mensageiro do Pai. Se todos os crentes demonstrassem essa unidade, isso levaria os homens do mundo à fé. É um testemunho para o mundo inteiro.
22 - 23 Unidade na glória
22 E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. 23 Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim e que tens amado a eles como me tens amado a mim.
Agora o Filho fala sobre o momento em que os discípulos terão deixado o mundo. Ele pensa no momento em que eles estarão com Ele. Então, eles terão a glória que Ele recebeu. Mas, em Sua oração, Ele diz que já lhes deu a glória que recebeu do Pai. Essa é a glória que Ele recebeu do Pai como homem, como recompensa por Sua obra. Em Sua grande graça, Ele compartilha essa glória com os homens que o Pai Lhe deu (verso 6) e aos quais Ele já deu a vida eterna (verso 2). Por ter recebido essa glória do Pai como homem, Ele pode compartilhá-la com os homens.
A consequência é que todos os que compartilham essa glória são um, da mesma forma que o Pai e Ele são um. Isso também se refere a uma glória que vem do Pai, que o Pai deu ao Filho e que o Filho então dá aos crentes. Por isso, o Senhor Jesus pode dizer que se trata de uma unidade na qual Ele também está neles e o Pai Nele. “Eu neles e tu em Mim” significa que o Filho será revelado nos crentes quando Ele retornar, uma revelação na qual o Pai também será revelado Nele. Quando esse momento chegar, os crentes terão se tornado uma unidade completa. Essa é a terceira unidade após a unidade dos apóstolos no verso 11 e a unidade de todos os crentes agora na Terra no verso 21.
Nessa unidade futura e perfeita, o fracasso não será mais possível. Quando Cristo voltar com os Seus em glória, eles terão a mesma glória que Ele (Flp 3:20-21), e a unidade será vista pelo mundo. O mundo verá o Pai no Filho e verá o Filho nos santos. Então o mundo reconhecerá que o Pai enviou o Filho e que o Pai amou os crentes como amou o Filho, pois isso não poderá ser negado quando o mundo vir Cristo e os Seus em glória (2Tes 1:10).
O mundo também reconhecerá que o Pai nos amou. A prova disso é que os crentes possuirão a mesma glória de Cristo. O que o mundo reconhecerá então já é verdade agora. O mundo verá então o que Ele e eles também foram como objetos do amor do Pai na Terra.
24 A vontade do Senhor Jesus pelos seus
24 Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me hás amado antes da criação do mundo.
Nas palavras finais de Sua oração, o Filho mais uma vez se dirige explicitamente ao Pai como Pai diante de nossos ouvidos. O que Ele diz ao Pai não é um pedido, mas Ele diz que é isso que Ele quer. Aqui ouvimos Sua vontade divina: “Eu quero”, assim como Ele disse quando purificou um leproso: “Quero; sê limpo!” (Mat 8:3). Ele não faz isso porque Sua vontade não é a mesma que a do Pai, mas para deixar claro para nós que Sua vontade é totalmente a do Pai.
Ele expressa como Sua vontade explícita que deseja que estejamos com Ele onde Ele está, na casa do Pai (Joã 14:3). Ele quer que estejamos lá para que Ele possa nos mostrar Sua glória. Essa não é a Sua glória como o Filho eterno, porque somente o Pai a conhece perfeitamente e nós não podemos vê-la (Mat 11:27). Para nós, que somos e continuamos sendo criaturas, permanece uma glória no Senhor Jesus que é conhecida apenas pelas outras duas pessoas divinas.
Tampouco é a glória que será vista diante do mundo em Sua revelação, pois nós a compartilharemos com Ele. Aqui está a glória que o Pai Lhe deu com base no fato de que o Filho O glorificou na Terra. Ele recebe essa glória por causa de Seu relacionamento pessoal de amor que o Pai teve com Ele desde a eternidade como o Filho eterno. Podemos ver como Ele a desfruta eternamente como homem.
Não compartilharemos essa glória, mas a veremos na casa do Pai. É a glória do (verso 5) que Lhe foi dada, mas em um aspecto de glória que é somente Dele e que também Lhe concederemos de coração e no qual O admiraremos. Há aspectos de Sua glória que sempre irão além da glória que compartilharemos com Ele. Ele permanece muito acima de nós como o mais glorioso de todos.
25 - 26 A obra constante do Senhor Jesus
25 Pai justo, o mundo não te conheceu; mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste a mim. 26 E eu lhes fiz conhecer o teu nome e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja.
No verso 11, o Senhor Jesus se dirigiu ao “Pai santo”, pois Sua santidade deve determinar a separação dos discípulos do mundo. Aqui Ele considera o mundo em seu pecado e cegueira; portanto, Ele fala aqui ao “Pai justo”. Ele também não fala do mundo como o sistema que O odiava, mas como o sistema que não conhecia o Pai quando o Pai veio ao mundo no Filho. O Filho contrasta isso com o fato de que Ele O conhecia bem e que Seus discípulos reconheceram que o Pai O havia enviado. Ele conhece o Pai, e os Seus conhecem o Pai por meio Dele. Agora eles também pertencem a Ele.
Ele tornou o nome do Pai conhecido em todo o Seu ser, como somente Ele poderia fazer. Ele fez isso na Terra. Ele também fará isso do céu, para que os discípulos e nós também tenhamos a mesma consciência do amor do Pai que Ele tinha quando estava na Terra.
Para eliminar qualquer dúvida que os discípulos possam ter, Ele acrescenta que Ele mesmo estará neles como sua vida. Não apenas o amor do Pai pelo Filho está neles, mas o próprio Filho está neles. Isso os capacita a viver Sua vida. A vida significa tudo para o Pai. Assim, o Pai também os amará como amou o Filho quando Ele estava na Terra. Em certo sentido, Cristo será tudo e estará em todos, ou seja, naqueles que o têm como vida.